
No domingo, noticiei aqui a pesquisa totalmente nacional do grupo dos pesquisadores Stevens Rehen e Patrícia Garcez, que usaram mini cérebros e neuroesferas para simular o cérebro em desenvolvimento de fetos e observar como o zika vírus age sobre essas células. Os resultados revelaram que o vírus de fato mata as células cerebrais em formação e provoca redução de 40% no crescimento das células neurais em minicérebros com complexidade equivalente à do córtex um bebê de 2 meses. A associação já era esperada. Mas, para além da constatação, o modelo dos mini cérebros in vitro possibilita a testagem de diferentes medicamentos, o que pode culminar com a resposta prática que a sociedade tanto espera: um tratamento para evitar a microcefalia e demais alterações neurológicas já observadas nos fetos.
No Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), uma das instituições envolvidas na pesquisa, o grupo dispõe de um robô capaz de aplicar simultaneamente diferentes drogas em milhares de mini cérebros infectados. Assim é possível identificar que substâncias têm poder proteger as células cerebrais contra o vírus ou inibir a sua ação.
Ao mesmo tempo em que a equipe fazia os experimentos publicados na Science (realizados no tempo recorde de 25 dias, graças a muitas noites viradas no laboratório), já começava a testar com esse equipamento medicamentos existentes e liberados para uso.”Nosso objetivo é buscar estratégias que possam reduzir as consequências da infecção para as mães grávidas”, explica o neurocientista Stevens Rehen.
Rehen conta que sua equipe já testou cerca de 10 medicamentos ou combinações de medicamentos até o momento e que pelo menos um deles tem se mostrado promissor. Se continuarem nesse ritmo e esforço de pesquisa, acreditam que terão uma resposta em dois meses.
“É através da ciência que conseguimos respostas robustas para crises”, afirma o cientista. “A ciência tem que ter essa sensibilidade de que quando é para ter uma resposta rápida, conseguimos.”
União de esforços e novos caminhos
Desde que o surto de zika e microcefalia surgiu no país, pesquisadores dos quatro cantos se uniram em uma rede de pesquisa voltada para o assunto coordenada pelo professor Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e financiada pela Pafesp e Faperj. O grupo conta com mais de 40 laboratórios de instituições de pesquisa brasileiras e também colaborações de integrantes internacionais, como o Instituto Pasteur de Dakar, no Senegal.
A urgência contribuiu inclusive para a quebra de velhos paradigmas da ciência, como o tradicional sistema de publicação por pares. A maioria dos artigos científicos ainda segue a lógica dos periódicos científicos em que um artigo só é levado a público depois de aceito para publicação e revisado por avaliadores. Embora em áreas como a física o processo já seja diferente, sendo comum o compartilhamento de dados antes de qualquer publicação no repositório Arxiv, nas ciências biológicas ainda reina o velho esquema.
No caso desse estudo com mini cérebros, o grupo — que trabalhava há meses no desenvolvimento de organoides sem ter ainda publicado um artigo sobre a técnica — optou por deixar seus dados abertos e divulgar os resultado primeiramente na forma pre-print na plataforma Peerj. “Tivemos um retorno incrível, mais de 10 mil pessoas leram nosso trabalho antes da publicação na Science e muitas delas deram contribuições importantes”, conta Rehen. “Pode tomar um tempo, mas acredito que essa prática vai ser incorporada pela comunidade de biomédicas e de saúde.”